A mulher da rulote

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

- Boa noite, era um prego.
- E uma cerveja - acrescenta o Ricardo.
- Não há pregos - responde a mulher. - Mas há bifanas.
- Pode ser.
- E a cerveja... - relembra o Ricardo.
- Isto está fraquito, não está? - pergunto. Nas cinco rulotes em meu redor, estou eu e o Ricardo numa, mais duas pessoas noutra e as restantes três não têm ninguém.
- Oh, menino... Está muito mau - queixa-se a mulher. - Se tivessem posto o jogo em Aveiro era bem melhor!
- Pois, estava mais gente...
- Não é só isso. É que o estádio de Aveiro fica isolado e não há cafés perto. Percebe, menino?
A mulher tem razão. O Marcolino de Castro fica numa zona fortemente residencial e o que não falta por ali são cafés. Todos bem compostos de clientela, por sinal. - Pois, não me tinha lembrado disso...
- Então vieram ao jogo?
- Viemos. Mas não vamos ao estádio. Vamos ficar cá fora.
- Hã?! - solta a mulher, incrédula. - Mas são daqui da Feira?
- Não, viemos de Lisboa - responde o Ricardo.
- De Lisboa?! Para ficar à porta?!
- Sim, em protesto contra a roubalheira dos bilhetes - informo.
- Ó menino, isso é que é amor pelo clube! Mas muita maluquice também, desculpe lá que lhe diga.
- Está desculpada.
- Outra cerveja - pede o Ricardo. - A senhora é muito bonita - acrescenta.
- Obrigado, menino.
- A senhora gosta de futebol?
- Então não gosto!
- E é de que clube?
- Do foculporto (atenção que "foculporto" corresponde foneticamente ao que a mulher disse e é precisamente por causa disso que me refiro a esse clube desta forma aqui no blog. Se são os próprios adeptos a falar assim, quem sou eu para os contrariar) - responde, com um sorriso. - E quando era mais nova era dos Super Dragões.
Mau!, penso, enquanto troco um olhar com o Ricardo. - Dos Super Dragões?!
- Sim, mas naqueles tempos não era nada como hoje. Não havia Macaco, não havia tráfico. Havia gente boa e não nos dávamos assim tão mal com as outras claques. Havia rivalidade mas sem o ódio de agora. Lembro-me de um jogo contra o Benfica em que até fizemos uma churrascada onde apareceram benfiquistas. E não acabou tudo à porrada.
- Não acredito...
- Ó menino, estou-lhe a dizer. Estive lá desde o princípio mas passados dois ou três anos começaram a aparecer drogas e armas em força. Aquilo já não era sobre futebol. E afastei-me.
Eu olhava para a mulher e para o Ricardo sem saber bem o que dizer.
- E ainda lhe digo mais - voltou a mulher. - Hoje em dia recuso-me a fazer os jogos do foculporto. Faço muitos jogos aqui na zona norte mas onde eles estiverem eu não vou.
- Então porquê?
- Porquê? Porque são os únicos que me roubam o material e partem a rulote. Da última vez até as lonas de publicidade arrancaram. Partiram-me as mesas e as cadeiras da esplanada. Até estas coisas levaram - e aponta para trás de um vidro onde estavam recipientes metálicos com alface, tomate, cenoura, etc.
- Mas o foculporto tinha perdido esse jogo?
- Qual quê, menino! Tinha ganho. Mas eles são assim, são uns animais. Não têm respeito por ninguém.
- E a senhora não lhes disse que era do foculporto?
- Eles sabiam. Mas não querem saber disso para nada. Querem é roubar e destruir.
- E diga-me uma coisa, nunca lhe aconteceu nada parecido com claques do Benfica ou do zbordin, por exemplo?
- Nunca. Há sempre gente estúpida em todo o lado e há sempre um ou outro malandro que foge sem pagar. Mas nunca chegaram ao ponto de roubar o que estava dentro da rulote e partir tudo.
- A senhora devia era ir para a Luz em dias de jogo. Enchia-se de dinheiro e ninguém lhe fazia mal.
- Isso queria eu, menino. Mas é muito longe e o combustível está tão caro... E depois a que horas chegava a casa? Já viu que tenho aqui a minha filhota a estudar neste cantito ao frio a noite toda? - e aponta para uma miúda.
- A senhora é mesmo bonita - torna o Ricardo.
- Olha que o marido está ali - digo-lhe eu.
A mulher ri-se.
- Bem, temos que ir. Está quase na hora.
- Boa sorte, meninos. Portem-se bem.
- Até à próxima! Veja lá isso de ir trabalhar para perto da Luz.
A mulher sorri. - Não dá, não dá.
Afastamo-nos. - A mulher era mesmo bonita, não era? - pergunta o Ricardo.
- Era, - respondo - por dentro e por fora.

No final do jogo tinha a rulote cheia de gente à volta. Os benfiquistas festejavam a vitória em paz. Só queriam aquecer o estômago e refrescar a garganta. Fiquei contente por ela.

12 comentários:

POC disse...

Grande relato.
Um abraço à senhora, é de desportistas assim que o mundo precisa.

E parabéns a vocês, por terem ido

http://simaoescuta.blogspot.com

Manuel Oliveira disse...

Até nisto somos diferentes!

Carlos Gois disse...

Escreves muito bem, os meus Parabéns. Força SLB

Constantino disse...

São estas coisas que eu não entendo: 2 benfiquistas estão 15 minutos à conversa com uma mulher bonita por dentro e por fora... e nem a porra de uma foto tiram para mostrar ao pessoal...

Abraço.

Ricardo disse...

Bem, este post já me custou uma discussão cá em casa. O que quer dizer que conseguiu ser assertivo. Mais coisa, menos coisa, foi isto.

E, sim, a senhora era mesmo bonita. Por fora mas especialmente por dentro.

LG disse...

É assim que se vê a diferença de valores entre os 2 clubes. Cada vez tenho mais orgulho em ser Benfiquista

MAGALHÃES-SAD-SLB disse...

É assim o nosso Benfica!! Popular mas ferveroso no apoio e ordeiro!!

Devemos ter estado, pela descrição, na mesma roulote..

Gloriosas Saudações!

nunomaf disse...

Inspirador como sempre!

A cena dos pregos e das bifanas deu-me uma ideia...

Um abraço Glorioso!

benfiquista a serio disse...

caros amigos benfiquistas,

esta do ruben amorim ir para o braga foi a ultima gota de agua na confiança que tinha em lfv. só falta agota emprestar o cardozo e o rodrigo ao porto que precisa de avançados e o luisão e o garay ao sporting que precisa de centrais. ainda não consigo acreditar nesta burrice de LFV. se o amorim não tem condiçoes para ficar no benfica então venda-se pela melhor oferta a um clube estrangeiro com uma clausula de indemnização caso este depois regresse a portugal. se não há propostas do estrangeiro estão que continue a treinar sozinho durante o resto do contrato. e por esta e por outras que cada vez mais gosto de estrangeiros no benfica. os portugueses é só desilusões. vide casos de hugo leal, edgar, miguel, nuno gomes, manuel fernandes, joão pinto, paulo sousa, etc, etc.

The European Cannon is here disse...

Depois de 15 minutos de conversa com uma mulher que, pelo uso da figura de estilo da perífrase, se depreende "boa", a pergunta que se impõe é:

"Mas facturaste ou não?!"

Éter disse...

A mulher era bonita mas não era "boa". Até porque uma coisa não implica outra, não é?

Diego Armés disse...

Deixo aqui os meus 5 cents: nos últimos festejos de conquistas de campeonatos, fui roubado por benfiquistas (com b pequeno, porque são igualmente animais - não, não é exclusivo do Porto): em 2005, foi só um cachecol ("só", como quem diz: era um cachecol do Benfica, oferecera-mo a minha mãe); em 2010, foram os telemóveis. Estamos a falar de festejos em plena Avenida da Liberdade...

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