O revisionista-mor

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Por alguma razão somos, desde há dois séculos, pelo menos, uma história de sucessivos fiascos — o «país eternamente adiado», de que falava Ramalho Eanes. Mas o FC Porto não se adiou, não ficou à espera que o êxito lhe caísse do céu: foi duas vezes campeão do mundo de clubes (onde só se chega, convém recordá-lo, depois de ser campeão da Europa). Tirando o Nobel de José Saramago, há mais algum português, alguma empresa ou instituição portuguesa, que tenha alguma vez sido reconhecido como o melhor do mundo, em determinado ano?

Isto é um excerto da crónica habitual de Miguel Sousa Tavares no jornal A Bola. Apesar de todo este parágrafo padecer de uma gritante imbecilidade, a última frase, em jeito de questão mas que no fundo não passa de uma afirmação do seu autor, atinge laivos de loucura. Decerto imbuído da demência do recente discurso do seu Führer, Sousa embarca, também ele, numa prática bem conhecida dos adeptos do clube corrupto: o revisionismo histórico. Porém, desta vez, Sousa não se fica pelo âmbito desportivo. Não, Sousa vai mais longe. Sousa quer passar a ideia de que, de entre o imenso universo português, apenas Saramago e foculporto foram alguma vez reconhecidos como melhores do Mundo. Loucura ou falta de conhecimento? Ambas, na minha opinião.

Se Sousa tivesse procurado informar-se convenientemente sobre este assunto como costuma fazer para os seus romances de bolso, consultando (e algo mais) livros alheios, ter-se-ia poupado ao vexame do que escreveu. Infelizmente, a sua ânsia de engrandecer um clube que tem o que tem devido à batota falou mais alto e esqueceu-se que em 1949 um senhor chamado Egas Moniz ganhou um Nobel da Medicina. Esqueceu-se que em 1995, a TMN, então com apenas quatro anos de vida, lançou o primeiro cartão pré-pago do Mundo, o Mimo, o que lhe valeu vários prémios mundiais. Esqueceu-se que em 2008, um vinho português, o Syrah, colheita de 2005, venceu o prémio de melhor vinho tinto do Mundo. Esqueceu-se que em 2009, um investigador português, José Fonseca, foi distinguido com o William Carter Award. Esqueceu-se que o Turismo de Portugal venceu o prémio Ulysses 2009, atribuído pela Organização Mundial do Turismo. Paremos por aqui para não maçar mais.
E isto para não falar de desporto. Porque se formos por aí, a coisa piora ainda mais para o Sousa. Nomes como Figo, Cristiano Ronaldo, Nelson Évora, Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Fernando Mamede ou Vanessa Fernandes, todos eles distinguidos de alguma forma com prémios mundiais, certamente que não lhe dizem nada.

Eu sei que uma crónica é um género de escrita que se enquadra entre o Jornalismo e a Literatura e que, desse modo, mostra sempre os factos do ponto de vista do cronista. O problema é quando o cronista pretende deturpar a realidade. Aí, deixa de ser crónica e passa a ser... Como é que se diz? Isso! Uma aldrabice.
Por esta ordem de ideias, não estamos livres de, no futuro, vermos Sousa proclamar o foculporto como o único clube que já foi campeão de Portugal. Mas isso será perfeitamente natural, os revisionistas costumam ter uma perspectiva muito própria da História...

2 comentários:

JNF disse...

Diz-se por aí que o Benfica foi bi-campeão europeu... será que mst sabe disso?

Éter disse...

Não me parece, JNF. Pare ele, o único clube bi-campeão da Europa foi o foculporto. Todos os outros são produto de uma estranha histeria colectiva chamada realidade.

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