O Benfica como elemento importante da minha educação em criança

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Quando era pequeno e passeava na rua com os meus pais comecei a reparar que, por vezes, as pessoas à minha volta diziam "foda-se" quando pareciam estar chateadas com algo ou alguém. Como eu não sabia o que aquilo queria dizer e achava piada à palavra, resolvi também experimentar quando surgisse uma boa oportunidade. E assim foi.

Certo dia, sentei-me para jantar e vi a minha mãe pousar uma travessa com pescada cozida na mesa. Não é tarde nem é cedo, pensei. "Foda-se!" Fez-se silêncio à mesa. Os meus pais entreolharam-se, naquele misto de estupefacção e riso contido que os adultos fazem sempre que um filho faz algo que mereça reprimenda mas ao mesmo tempo dá vontade de rir, e fizeram de conta que eu não tinha dito nada. "Foda-se!", repeti algo indignado por ninguém ter reparado que eu sabia uma palavra nova. A minha mãe serviu-me e o meu pai fingiu prestar atenção ao noticiário. Lá comi a porcaria da pescada, resignado. O "foda-se" afinal não servia para nada.

Depois do jantar, enquanto a minha mãe arrumava a cozinha, o meu pai sentou-se no sofá ao meu lado. "Por que é que disseste aquilo à mesa?", perguntou, com ar sério mas felizmente não aquele ar suficientemente sério que significava problemas. Lá expliquei que já tinha reparado que as pessoas diziam isso quando estavam chateadas. O meu pai pensou por alguns instantes e disse-me que as pessoas só diziam isso quando estavam mesmo muito, muito chateadas com alguma coisa e que um menino de cinco anos ainda não tinha motivos para ficar muito, muito chateado com nada. Fiquei a matutar sobre aquilo enquanto o meu pai lia o jornal e perguntei: "Papá, então isso quer dizer que eu posso dizer "foda-se" quando estiver muito, muito chateado?". "Mas eu já te disse que um menino da tua idade não tem porque ficar assim tão chateado", respondeu o meu pai. "Nem quando o Benfica perde?", atirei. O meu pai ficou estático a olhar para mim durante aquilo que na altura me pareceu quase um dia inteiro, fechou o jornal, espreitou para ver se a minha mãe ainda estava na cozinha, fez-me uma festa na cabeça e disse: "Quando isso acontecer podes dizer. Mas baixinho, para a tua mãe não ouvir."

Palpita-me que a sabedoria do meu pai teve em conta o potencial do Benfica quando definiu os termos de uso de tal palavra. É que raras vezes a proferi.

4 comentários:

Águia Preocupada disse...

Uma história ternurenta e de verdadeira sabedoria que só os nossos pais nos sabem transmitir!
E marcar-nos para a vida inteira!
Bem haja pela emoção que me causou, a mim que já não tenho o meu comigo.

P.S. Amanhã o nosso Estádio faz 8 anos. Eu tinha prometido ao meu pai que o levava à inauguração mas já tive essa felicidade. Faleceu um mês antes.

luis disse...

foda-se, é verdade essa história? :)

Jotas disse...

Sublime o texto e a analogia do foda-se com a pesacada cozida tá divinal.

rodrigues disse...

exelente maneira de ensinar os filhos....muita psicologia aplicada.
Bravo

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