A noite mais surreal da tua vida - parte II

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

É com alguma surpresa que vês os empregados encaminharem os convidados para o andar de cima da casa. Sobes uma escadaria de mármore em forma de caracol e deparas-te com um longo corredor. Algumas pessoas deambulam por ali enquanto conversam e outras vão entrando para divisões cujo interior ainda não consegues ver. Avanças. Olhas para a tua esquerda e vês um quarto, olhas para a tua direita e vês um pequeno escritório. Confuso, prossegues. Mais quartos. Em todos já se encontram alguns convivas. Olhas para a gaja em busca de auxílio e ela encolhe os ombros, num misto de espanto e ignorância. Entretanto, para complicar mais a situação, perdeste o teu colega de vista. Continuas a andar pelo corredor, esperançado em encontrar uma sala com uma mesa e cadeiras. Aliás, já nem pedes cadeiras. Neste momento basta-te uma mesa com comida para te sentires aliviado. Sem dar por tal, chegas ao fundo do corredor e estás de frente para a maior divisão que viste neste piso. Desesperado, entras. Outro quarto? Voltas-te para sair dali e dás de caras com o cônsul. “Entre, entre.” Fazes um sorriso perfeitamente idiota e entras. Há pessoas sentadas em sofás, em cadeiras e inclusive numa cama enorme que domina toda a divisão. Cada vez compreendes menos e um pingo de suor frio escorrega-te pela nuca. É imperativo que te sentes imediatamente, pois não vês ninguém de pé. Mas não há cadeiras nem sofás livres. Só a cama… Talvez o cônsul tenha pressentido o teu desconforto, já que se aproxima de ti e, apontando para um dos cantos da cama onde não está ninguém, diz “Sentem-se ali. Fiquem à vontade.” Obedeces e a gaja imita-te. Olhas em teu redor e uma leve suspeita começa a formar-se. Abre-se uma porta. É a casa-de-banho e de lá sai Jean-Lucq. A suspeita adensa-se. Será que isto é o quarto do cônsul? Mais um pingo na nuca. “O que é que se está aqui a passar?”, perguntas em surdina à gaja. “Não faço a menor ideia”. Ouves alguma agitação no corredor e vislumbras empregados a andarem para trás e para a frente. O cônsul pede desculpa e informa que não vos fará companhia pois já passa demasiado tempo naquele quarto. Sim, estou no quarto do cônsul. Outro pingo. As pessoas sorriem a acenam com a cabeça. O cônsul e Jean-Lucq retiram-se. Vamos ser aqui fechados e sodomizados pelo batalhão de vietcongs. E nem o Chuck Norris nem o Charles Bronson estão no quarto. Por descargo de consciência, olhas de novo à tua volta. Não estão mesmo. Já suas debaixo dos braços. Dois empregados entram no quarto, transportando tabuleiros. Aproximam-se das pessoas para estas retirarem uns estranhos objectos em forma de pirâmide dos tabuleiros. Chega a tua vez. Pegas num. Está quente, mas não queima. Cada um já tem o seu e os empregados saem. Aguardas pelo passo seguinte. As pessoas retiram o topo da pirâmide e levam a base à boca, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Sentes-te profundamente idiota e fazes o mesmo. É uma espécie qualquer de sopa. Menos mal. Entretanto, duas senhoras perto de ti comentam em inglês sobre como as festas do cônsul são sempre fantásticas e que esta ideia de servir o jantar pelas várias divisões da casa agora é moda na alta sociedade londrina, parisiense e nova-iorquina. Suspiras de alívio. Não és prisioneiro. Não vais ser enrabado. É só um jantar. Mas, ainda assim, sentes algum desconforto por estares a comer na cama onde o cônsul, por sua vez, come o pacote de Jean-Lucq. Ou vice-versa. Ou e vice-versa. Consultas o telemóvel. Ainda falta bastante. O teu eu benfiquista nunca mais apareceu, portanto está tudo sob controlo. Perguntas à gaja se ouviu o que as mulheres disseram. Ela responde que sim e ambos riem. Consegues finalmente estar despreocupadamente à conversa com ela. É simpática, é divertida e é boa. Mas esta última parte já sabias. Entram mais empregados. Uns recolhem os copos piramidais e outros servem o prato seguinte. Escargot. Foda-se! Da última vez que comeste esta merda num restaurante, o bicharoco saiu disparado da concha e acabaste a ir pedir desculpa a um tipo noutra mesa, como nos filmes. Olhas derrotado para o prato que te colocaram nas mãos e decides que não vais comer. A gaja pergunta-te isso mesmo, “Então, não comes?”. Respondes a triste verdade, “Não sei comer isto”. Ela sorri e, com perícia, retira um caracol da concha com o garfo e dá-to à boca. A consistência é a nojice de que te recordas mas está bem temperado e o sabor é bastante agradável. A gaja vai esvaziando as conchas de ambos os pratos e continua a dar-te comida à boca. “Pareces um bebé”. Em resposta quase te escapa um comentário profundamente badalhoco mas emendas a tempo para um suave “Então daqui a bocado tens que me ir deitar”. Ela ri-se. O teu eu Casanova reaparece com a boca inchada do murro que levou e, discretamente, aplaude. Chega o próximo prato. Já estás preparado para tudo mas desta vez é uma carne qualquer com arroz e vegetais. Por ti até pode ser macaco mas tem um aspecto perfeitamente normal. Comes. É bom. Conversas mais um bocado com a gaja até que os empregados vêm recolher o prato e anunciar que a sobremesa será servida no andar de baixo. Juntas-te à manada para atravessar o corredor e descer as escadas. Vês o teu colega a sair de uma divisão com o braço por cima de uma gaja. Por breves instantes pensas fazer o mesmo à que está ao teu lado. Calma, ainda não. Em vez disso levas a mão ao bolso de dentro do casaco e tiras o telemóvel. “Então, já estão a jogar?”, pergunta a gaja. Se estivessem a jogar eu não estava aqui, não achas? “Não, é daqui a três horas e pico”. Chegam finalmente ao salão do piso térreo onde já tinhas estado e reparas que os vários sofás e cadeiras foram encostados às paredes, deixando um imenso espaço vazio no centro. Desta vez não esperas para ver o que os outros vão fazer. Agarras na mão da gaja e diriges-te para um sofá de dois lugares. Sentas-te, triunfante. As outras pessoas fazem o mesmo. Quando está tudo sentado as luzes apagam-se e um empregado entra no salão a empurrar um carrinho com um bolo de aniversário gigante. Eclode uma cacofonia de “Parabéns a você” nas mais diversas línguas. Não sabes de quem se trata mas cantas também. Jean-Lucq ergue-se para agradecer e aproxima-se do bolo para apagar as velas. As luzes são reacendidas. O bolo é cortado e servido, acompanhado por champanhe. O champanhe é de tal forma maravilhoso que bebes vários copos. A gaja também. Estás contente e aliviado por a noite estar finalmente a correr bem, depois daquele princípio mais atribulado. O cônsul dirige-se ao centro do salão e pede um pouco de silêncio. Anuncia então que Jean-Lucq tem uma surpresa preparada para os convidados. Os teus olhos procuram instintivamente Jean-Lucq, sem sucesso. Mau… O que irá sair daqui? O cônsul sai de cena e, timidamente, começa a ouvir-se música clássica. Jean-Lucq entra no salão em tronco nu e com uns collants tão apertados que a sua zona púbica ganha um relevo que preferias não ver.

Continua...

7 comentários:

RB disse...

Caro Éter,

Acho que a tua decisão de colocar este texto em partes vai ter um efeito contraproducente...

Começa a parecer as séries de TV, as quais normalmente, deixo de acompanhar para depois ver tudo de seguida... Vá lá, posta o resto, não quero deixar de visitar o estaminé... Eheh

Abraço

POC disse...

Éter, então meu?! Li esta merda toda e fazes um "To be continued"???

Grande história, grande relato ;)
(brilhante o pegar na mão dela e ir triunfante para o sofá)

Henrique disse...

Mais, por favor!

nunomaf disse...

Foda-se o mistério adensa-se... E agora já mete gajos em collants.

Aimeudeus... A gaja boa é só para disfarçar?

Diogo disse...

Éter,

esquece lá a parte do maçudo e escreve tudo de uma vez. Não demores tanto tempo como o Aimar a assinar!

Abraço
Diogo

Carlos disse...

Aguardo o episódio seguinte. Muito bom até agora.

Anónimo disse...

Já nao li este episódio, meteu-se á frente a renovação do Aimar e quero lá saber do jean-luc e da gaja boa. Aliás, está-se mesmo a ver que o consul vai fechar a noite com televisores espalhados pela casa a dar o Benfica...

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