Aproximas-te do portão onde um empregado vai recebendo as pessoas. Chegada a tua vez, mostras o convite. O empregado faz-te sinal para que entres. Transpões o imenso portão metálico e atravessas uma luxuriante floresta tropical em ponto pequeno salpicada, aqui e ali, por algumas estátuas de estilo grego. Ao pé de uma delas está um empregado que, quando te vê, se aproxima com um tabuleiro na mão. Agarras num copo e cheiras. Martini, pode ser. Agradeces ao rapaz com um “thank you” e um aceno de cabeça. Continuas a seguir o trilho e a vegetação torna-se tão cerrada que imaginas que a qualquer momento pode aparecer um batalhão de vietcongs para te limpar o sebo. Bebes o Martini de um trago e rezas para que, caso isso aconteça, o Chuck Norris ou o Charles Bronson (os dois, se possível) estejam por perto para te safarem a pele. O trilho faz uma curva apertada e, por fim, vês a casa. Casa não será propriamente o termo correcto. Será, talvez, um palácio. Algumas pessoas, em grupos pequenos, vão conversando no pátio exterior. Não conheces ninguém, portanto entras. Um empregado pergunta-te, em inglês, se pode ficar com o teu casaco. “No, thank you.” Já estás ali há tempo suficiente para saber que as noites ficam frias e, mais importante do que isso, no bolso de dentro está o telemóvel que te permitirá ir acompanhando o jogo do Benfica, isto caso o jantar se prolongue até mais tarde. A época está a ser desastrosa mas este gajo novo, um tal de Mourinho, está a conseguir pôr os jogadores a correr. Já não é mau. Dois empregados caminham na tua direcção, um com comes e outro com bebes. Os comes têm um aspecto estranhíssimo e não te apetece estar a perguntar o que é aquilo, portanto passas para os bebes. Aqui sim, perguntas o que é. “Bloody Cab”, responde o empregado e, perante o teu olhar de ignorância, rapidamente acrescenta “It’s like a Bloody Mary but with Cabernet Sauvignon instead of vodka”. Cabernet? Trata-se bem, o cônsul, pensas, enquanto provas. Isto é óptimo! Tens vontade de pegar já noutro para o caminho mas lembras-te de que não estás na Queima das Fitas. E também não estás na Luz. Dá-te a nostalgia e bebes mais um gole. E outro. E, de repente, o Bloody Cab desapareceu. Afinal sempre levas outro. Sorris para o empregado e encolhes os ombros, como quem diz “isto é muito bom, pá, tenho que beber outro”. Ele devolve-te o sorriso e afasta-se para atender outras pessoas. Passas para um salão onde estarão cerca de cinquenta convivas. Procuras, desesperado, uma cara conhecida onde te refugiar dos olhares que se centram em ti. Ao fundo descobres um colega de trabalho e é para aí que te encaminhas apressadamente quando uma mão no ombro te intercepta e obriga a parar. É o cônsul. Está contente por teres vindo e pergunta-te se estás a gostar da estadia no país. Respondes que sim e que te sentes bastante honrado com o convite. Ele returque qualquer coisa de amável que te obriga a seguir-lhe o exemplo. Por fim, a dança de cortesia acaba e podes finalmente seguir o teu caminho. Mas o teu colega já não está onde o viste da primeira vez. Merda... Olhas para o copo e reparas que o segundo Cab já foi. Precisas de uma bebida na mão com urgência. Um copo cheio é o melhor amigo de quem está sozinho numa festa. Sem bebida na mão não passas de um totó que por ali anda perdido, aos caídos. Mas com um copo vazio na mão o panorama não é mais agradável, já que passas de totó para bêbado incorrigível, o gajo que nas festas não fala com ninguém porque está sempre a emborcar álcool pela goela abaixo. Porém, com um copo com algo lá dentro tudo se transforma, pois tornas-te automaticamente no gajo cheio de estilo que está sozinho por opção e que só fala com quem ele julga digno dessa graça. Não te resta outra opção se não pousar imediatamente o copo vazio numa mesa e partir em busca de um empregado. É isso que fazes, sem sucesso. Ali não há empregados. Sais do salão pela porta oposta à que entraste e sentes uma alegria sem fim. Um bar. E o teu colega. E gajas. Quer dizer, a alegria não é necessariamente por esta ordem. E gajas. Um bar. E o teu colega. Assim está melhor. O teu colega acena-te para que te juntes a ele e a mais umas gajas. Fazes-lhe sinal que primeiro vais ao bar pois não queres ignorar a lei mais sagrada das festas: a lei do copo com bebida na mão. Pedes um rum velho com duas pedras de gelo. Sem Coca-Cola. À homem. Cuba Livre é coisa de puto. Chegas finalmente ao pé do teu colega, que imediatamente te apresenta a quatro gajas. Portuguesas. Duas boas e duas mais ou menos. Como é evidente, diriges a maior parte da tua atenção para as duas gajas mais ou menos. "Há que saber plantar para depois colher" e "não se deve ir com muita sede ao pote", dois belíssimos ensinamentos do teu padrinho de faculdade em relação a gajas, que gostas de cumprir à risca. Portanto, as duas gajas boas podem esperar. Falas com as outras durante um bocado (ao mesmo tempo que vais escolhendo qual das gajas boas preferes) e ficas a saber que chegaram há duas semanas e que estão a gostar bastante. Tu já lá estás há um mês e, cavalheiro, ofereces-te para ajudar no que for preciso. Elas pedem conselhos sobre restaurantes. Indicas três ou quatro a visitar sem falta e seis ou sete a evitar sob pena de risco de intoxicação alimentar. Pedes desculpa e informas que vais ao bar reabastecer. Mais um rum, para já não queres fazer mais misturas de estômago vazio. Espreitas o telemóvel. Ainda falta muito para o jogo começar mas já estás nervoso, como habitualmente. Ao teu lado está um gajo novo de camisa muito justa, cabelo pelos ombros e com bigode e barbicha à D'Artagnan. Que ar de roto…, observa o ser preconceituoso que há em ti. Regressas ao grupo e desta vez colocas-te ao lado da gaja boa com quem engraçaste. Mas não falas com ela. Falas com o teu colega. Ele diz-te quem são algumas pessoas que andam por ali. Perguntas quem é o gajo abichanado que estava ao teu lado no bar. Ele olha e diz-te que é o Jean-Lucq, namorado do cônsul. O ser preconceituoso que há em ti admite que é, de facto, preconceituoso mas que não é parvo. Entretanto a gaja boa toca-te ao de leve no braço. Obrigado, padrinho. Pergunta-te o que estás a beber. Respondes e perguntas se quer que lhe vás buscar um. “Não, obrigado. Para já estou bem assim.” Está no país há quatro meses mas ainda não a tinhas visto porque há cerca de um mês teve que regressar a Portugal em trabalho. Entretanto vai-te contando o que faz, onde mora, como veio aqui parar, etc. Não resistes e voltas a mexer no telemóvel. Por mais que tenhas consciência de que ainda falta imenso tempo para o jogo começar, a única forma de te manteres calmo é saber precisamente quantas horas e minutos faltam. Como não poderia deixar de ser, a gaja detecta a tua apreensão. “O que foi? Estás preocupado com alguma coisa?” Nesse momento surge na tua cabeça o teu eu Casanova, bem vestido, perfumado e com um copo de vinho na mão. Avisa-te calmamente para não dizeres à gaja que estás assim por causa do Benfica, se não corres o risco de estragar tudo. Enquanto te debates com essa problemática e o teu eu Casanova bebe o vinho, surge também o teu eu benfiquista, de camisola do Benfica vestida, cachecol ao pescoço, bandeira numa mão e mini na outra. “Mas o que é está merda? Então mas vais renegar o Benfica por causa de uma gaja? Mas que raio de benfiquista és tu?” O teu eu Casanova tenta balbuciar algo mas o teu eu benfiquista espeta-lhe um selo nos dentes e um biqueiro nas nalgas e escorraça o pobre coitado para fora da tua mente. O teu eu benfiquista vira-se para ti, furioso. “Agora nós, palhaço. Ouve lá uma merda: vais dizer a essa vaca que o Benfica joga hoje e que estás assim porque gostavas de estar na Luz, percebeste?” Faz uma pausa para acabar a mini e arrotar violentamente na tua cara. Aliás, na tua cabeça. “Eu logo vi que esta treta de sair de Portugal ia dar merda. Mas tu prometeste que o Benfica nunca passaria para segundo plano. Eu não me esqueci disso, ouviste? Vá, podes regressar para essa conice de festa mas ai de ti que não estejas em frente a uma televisão à hora do jogo.” E afasta-se da tua mente, enquanto agita a bandeira no ar e grita, eufórico, “BENFICA! BENFICA! BENFICA! BENFICA!” Sentes-te envergonhado contigo próprio e dizes à gaja a verdade, que o Benfica joga hoje e sempre que isso acontece ficas ansioso. “Ai, os homens e o futebol...”, ela sorri. Entretanto, anunciam que o jantar vai ser servido.
Continua...