Divina comédia

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

É um dado adquirido que tudo aquilo que se fecha demasiado sobre si mesmo e não admite troca de ideias e experiências tem tendência a desaparecer. Seja uma empresa, uma instituição, um país ou até uma civilização inteira, o fim é sempre o mesmo: a obliteração.

No Mundo actual temos dois exemplos interessantes sobre este tema. De um lado, a Santa Sé; do outro, a China.
O caminho tortuoso e de triste definhamento com que aquela que já foi a organização mais poderosa do planeta nos tem brindado, é fruto de séculos de uma opressão moral e ditadura intelectual como não há paralelo em toda a História da Humanidade. Ironicamente, esse definhamento começou precisamente com a entrada em cena da Inquisição, que apesar de ter sido criada com o objectivo de silenciar, acabou por dar origem a cada vez mais desconfiança para com a Igreja. Num Mundo cada vez mais tecnológico e ávido de informação em tempo real, esta Igreja austera e dogmática não vive, sobrevive a custo. Basta olhar para os interesses dos jovens da actualidade para antever facilmente qual vai ser o futuro de tão deprimente instituição.

Quanto à China... Bem, este colosso estava a ir pelo mesmo caminho. Fechados na sua concha comunista, os dirigentes chineses compreenderam que estavam a ficar para trás em tudo. No entanto, aos poucos, a medo, empreenderam a abertura da China ao Mundo e o resultado está à vista de todos: dentro de uma década será a nação mais poderosa do planeta. E desengane-se quem pense que os norte-americanos vão manter a hegemonia, a quantidade de dinheiro que a China tem investido nos Estados Unidos faz com que a economia norte-americana esteja perigosamente nas mãos dos chineses, facto que aliás é assumido pela maior parte dos economistas norte-americanos.

"E o que é que tem toda esta treta a ver com o Benfica?", perguntam aqueles que aguentaram ler até aqui. Bastante...
O Benfica está a fechar-se sobre si próprio, e isso é grave. Não do ponto de vista financeiro, aí o Benfica está forte, é líder de mercado em tudo onde está presente, é a marca nº1 de Portugal; mas sim do ponto de vista do debate, da pluralidade de ideias, das simples conversas de café ou dos posts e respectivos comentários em blogs.

Estes últimos dias tenho ficado estupefacto com muita coisa que tenho lido. Para alguns não se pode dizer que o Jesus teve opções duvidosas em Olhão, que o Cardozo teve sorte em não ser expulso, que o Di Maria foi um idiota ou que o Benfica defende terrivelmente mal as bolas paradas. E porquê? "Porque o Benfica é uma religião" e, como todos sabemos, nas religiões não se diz mal de nada, não se questiona. Aceita-se sem raciocinar. Como um animal treinado para um truque.
Depois temos o tema quente da AG de amanhã. Também não se pode dizer nada, não se pode questionar. Cabe-nos aceitar com uma genuflexão a sábia decisão do nosso bem-amado líder.
Para terminar, li até um post em que o autor se mostrava ofendido por alguém ter escrito "clube" e não "Clube" e "presidente" e não "Presidente". Quanta ostentação... As voltas que Cosme Damião e seus pares devem ter dado nos caixões... Ao ponto a que isto chegou!

Arrepia-me a simples ideia de quem diz que o Benfica é a sua religião. O Benfica não é religião. Nunca foi, nem nunca será. Um clube que tem a sua origem no proletariado, que sempre conseguiu os seus objectivos graças ao suor das suas gentes, que nunca teve nada de mão-beijada, que sempre tomou as grandes decisões da sua longa história ouvindo os sócios jamais poderá ter algo de religioso. O Benfica deve ser comparado a um familiar muito querido ou ao grande amor da nossa vida, a alguém a quem podemos apontar erros e ajudar a melhorar, a alguém que caminha ao nosso lado. Nunca a um Deus. Os deuses não aceitam críticas, são vingativos, exigem veneração e nunca caminharão lado a lado connosco. Vão sempre manter uma respeitável distância.

O Benfica que eu aprendi a amar não está sobre mim, está ao meu lado. Não me exige nada e dá-me tudo sem eu nada lhe pedir. Divino? Não é divino... Antes pelo contrário, é bem terreno! O Benfica não tem nenhuma auréola. Tem sim, suor. Muito. Imenso. E os deuses não suam...

14 comentários:

Anónimo disse...

não comento muito em blogs, mas este texto merece.

soberbo!

Anónimo disse...

Meu caro, como te compreendo, penso precisamente como tu.
Endeusar o Benfica não tem nada a ver com sua história.

Forte abraço.

Carlos F.

Anónimo disse...

excelente post, como habitualmente.

pedro

pedrove disse...

completamente de acordo vou por um link no meu blog, para que este post (devia ser) seja de leitura obrigatória,por mais benfiquistas.
magnifico!!!!

Anónimo disse...

fiquei sem palavras ao ler este texto. a minha vénia para ti, éter.

Anónimo disse...

exactamente a minha opinião.
grande texto

saudaçoes benfiquistas

sloml disse...

Não conhecia o blog (my bad), mas o texto diz muito do que me aconteceu este fim-de-semana, onde tive de lutar contra a grande maioria da blogosfera benfiquista por defender todos os pontos que referes neste post, onde, obviamente, me revejo inteiramente. Também farei uma referência a este post no meu blog, claramente.

ines.ipg disse...

Sóbrio e racional.

Éter disse...

Estás à vontade, pedrove.

Abraço

Éter disse...

Bruno, esta é daquelas "lutas" que se encaram com um sorriso nos lábios.

JNF disse...

Este é mais um daqueles posts que merecia link naquilo que escrevi este Domingo. É importante reflectir o Benfica.

Anónimo disse...

Cá está um daqueles posts muito raros que dá vontade de ler e reler vezes sem conta. E quanto mais o releio mais me apercebo da profundidade do que aqui foi escrito e da beleza do texto.

Está realmente fantástico.

Um abraço benfiquista de terras do Tio Sam

RIVUS disse...

O que vou dizer não tira, de forma alguma, o mérito do bom escrito. O seu conceito é que o acho redutor. As duas primeiras premissas estão, a meu ver, absolutamente fora do contexto cpmparativo da mensagem que se pretende transmitir. Não têm nada a ver uma coisa com outra e é um puro exercício mental. Quanto a o Benfica não dever ser considerado um culto, assentiria nisso se em outros lados assim fosse também. Mas não é pura verdade que em certos clubes tudo é adorado, a começar pelo presidente, e nada, nunca por nunca, é contestado por nenhum fiel? Onde tudo é obscuro e fechado? Ora, tal não obsta a que esses vão navegando desde sempre em mar sereno e com brisa favorável!

Éter disse...

"Quanto a o Benfica não dever ser considerado um culto, assentiria nisso se em outros lados assim fosse também."

RIVUS, se me permites, isso que escreveste é que é extremamente redutor. Então mas agora o Benfica deve ser entendido conforme o que se passa em outros lados? Não me parece...

Espera que esses mesmos clubes dos quais falas comecem a não ter resultados desportivos e vais ver como vão acabar.

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