Não sendo a minha opinião encomendada/paga por A, B ou C e tendo eu direito a ela, decidi partilhá-la convosco, neste que tem sido um tempo tão profícuo em polémicas em redor da legitimidade dos candidatos.
A questão que se impõe, não obstante terem sido aceites ambas as candidaturas, é: poderá um sócio efectivo há pouco mais de um ano e auxiliar durante 5 ser eleito para exercer um cargo num órgão social do clube?
Desde logo urge esclarecer que os Estatutos do Sport Lisboa e Benfica (doravante designados Estatutos) consagraram a existência de duas categorias distintas de sócios: efectivo e auxiliar.
Os sócios efectivos encontram-se definidos no artigo 7.º dos Estatutos, sendo-lhes atribuídos todos os direitos e deveres estatutários consagrados naqueles, não obstante a obrigatoriedade de se verem cumpridos determinados requisitos específicos para o exercício de alguns direitos, nomeadamente o de ser eleito para os órgãos sociais do clube.
Já os sócios auxiliares encontram-se definidos e identificados no artigo 8.º dos Estatutos e são-lhes atribuídos, nos precisos termos do artigo 7.º n.º 3 do mesmo diploma, alguns direitos e deveres estatutários.
Decidiu, pois, o legislador fazer uma diferenciação entre as duas categorias de sócios ao nível de direitos e deveres.
Posto isto, diga-se que no artigo 12.º n.º 1 dos Estatutos estão consagrados de forma genérica os direitos e deveres dos sócios, especificando-se no n.º 2 que determinados direitos só podem ser exercidos pelos sócios que cumpram certos requisitos.
Diz-se então que "Só os sócios efectivos com mais de cinco anos consecutivos de filiação associativa gozam do direito consignado na alínea d), precisamente o direito de ocupar cargos nos órgãos sociais do clube. Ora, esta é a norma geral que identifica quem pode exercer tal direito. Mas, da leitura do artigo 23.º dos Estatutos, resulta que há mais um requisito específico para o exercício do referido direito.
Não se trata de uma incongruência. Trata-se, sim, de uma norma que respeita especificamente aos órgãos sociais do clube e a quem pode desempenhar os respectivos cargos. E foi, pois, nesta norma que o legislador entendeu fazer a exigência que alguns, habilidosamente, teimam em não ver. Esta norma, o artigo 23.º, refere que os cargos dos órgãos sociais são desempenhados por sócios efectivos que, à data da eleição, perfaçam pelo menos cinco anos de filiação associativa ininterrupta nessa categoria.
Resulta, pois, de modo cristalino que se torna necessário que o sócio efectivo que pretenda exercer o direito que vimos de aludir tenha de cumprir também um requisito temporal, mais precisamente o de ser sócio efectivo há 5 ou mais anos.
Poderão alguns argumentar que a norma do artigo 12.º entra em contradição com o artigo 23.º. Mas discordo de tal visão. O que sucede é que nem há verdadeiramente uma contradição. O que existe, sim, é uma norma geral, o artigo 12.º, reguladora dos direitos dos sócios, e uma norma específica, o artigo 23.º, que regula de modo especial a matéria relativa ao exercício de cargos nos órgãos sociais, pelo que é a esta que se deve atender no que tange à definição dos requisitos específicos que os sócios efectivos devem preencher. "Lex specialis derogar lex generalis". Quanto muito, aceitaria uma leitura conjugada das duas normas, mas nunca uma sobreposição do artigo 12.º ao artigo 23.º, que resultasse na não aplicação deste.
Não obstante, para ultrapassar este obstáculo, um candidato na situação definida no início deste texto poderia lembrar-se de argumentar que, para tal contagem de tempo, deveria contar o lapso temporal que perfez enquanto sócio auxiliar.
Poderia até basear tal argumentação no artigo 12.º n.º 3 dos Estatutos. Nos termos deste normativo, "ao sócio auxiliar que passe a efectivo são concedidos todos os direitos inerentes a esta categoria, desde que naquela qualidade preencha as condições previstas no número anterior."
A única interpretação possível e que tem cabimento na previsão desta norma é a de que o sócio auxiliar que transitar para efectivo passa a poder exercer os direitos próprios desta categoria, não significando isso que fica isento do cumprimento dos requisitos específicos que o legislador impôs para o exercício de certos direitos, como é o caso de ser eleito para um órgão social.
O sócio auxiliar que o seja durante 10 anos e que transite para a categoria de sócio efectivo terá sempre de cumprir os requisitos dispostos no artigo 23.º dos Estatutos, dentre os quais os referidos 5 anos.
Não faz sentido interpretação distinta que opere uma espécie de transformação dos anos como sócio auxiliar em anos como sócio efectivo, senão veja-se:
- um sócio auxliar durante 5 anos e efectivo há uma semana, por exemplo, estaria, para efeitos do exercício de cargos em órgãos sociais, em igualdade de circunstâncias com um sócio efectivo há mais de 5 anos. Não parece ter sido, de todo, este o espírito que o legislador pretendeu conferir a tal norma.
Portanto, o sócio efectivo que esteja nas circunstâncias descritas no início do presente texto só poderá exercer o direito de integrar cargos em órgãos sociais do clube quando perfaça 5 anos nessa categoria, contados desde a sua passagem a sócio efectivo. Não integra, pois, tal contagem o tempo que tenha decorrido como sócio auxiliar. De outro modo ficaria desprovida de sentido a clara diferenciação que o legislador decidiu criar entre as duas categorias de filiação associativa (efectivo e auxiliar).
De referir apenas, e em jeito de remate, que este não é um texto contra A ou a favor de B.
Quanto ao pretenso estudo jurídico divulgado na segunda-feira na comunicação social, deixo as considerações sobre o mesmo para um próximo texto.
Força BENFICA!